Dentre os sete livros clássicos chineses sobre estratégia militar, apenas a Arte da Guerra popularizou-se no Ocidente. Traduzida por um missionário francês há duzentos anos, foi estudada e efetivamente utilizada por Napoleão e por membros do alto comando nazista, além de ter servido de base à estratégia militar americana, à francesa e à inglesa. Na Ásia, é considerada o mais importante tratado militar dos últimos dois mil anos e até mesmo pessoas comuns |
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a conhecem de nome. Foi amplamente estudada tanto por teóricos em estratégia militar quanto por oficiais chineses, japoneses e coreanos, e muitos de seus postulados tiveram papel significativo na história militar japonesa a partir do século oitavo. Seus conceitos provocaram intensos debates e veementes discussões filosóficas através dos séculos, chamando a atenção de figuras importantes em diversos campos. Embora tenha sido traduzida para inúmeros idiomas, novas versões e interpretações continuam a aparecer. A tradição atribui sua autoria a Sun Tse, que viveu entre 500 e 400 a.C. Súdito do rei de Tchi, o general Sun Tse era versado na arte bélica. Tanto sua obra A Arte da Guerra quanto seus feitos atravessaram as fronteiras do reino e foram estudados e narrados em prosa e verso por seus admiradores. Diz a lenda que um dia o rei de Ou desentendeu-se com o vizinho rei de Tchou e ambos começaram a preparar-se para a guerra. Sabedor do ocorrido, Sun Tse colocou-se à disposição do primeiro para ajudá-lo a derrotar o inimigo. O rei, encantado com a ideia de que um homem desse saber se colocasse de seu lado, decidiu testá-lo. Chamado à sua presença, Sun Tse ajoelhou-se diante do rei, jurando-lhe obediência e dizendo-lhe quão honrado estava por poder servir tão distinto monarca. Segundo relatos, o diálogo que travaram foi o seguinte: − Majestade, nada disse eu em meus escritos que não tenha posto em prática. Contudo, se é para acalmar vosso espírito e apaziguar vosso coração, estou disposto a ensinar essas práticas e treinar quem quer que seja, se Vossa Majestade me investir de autoridade para tal. − A mim parece-me que homens inteligentes, valorosos e prudentes podem aprender as vossas práticas marciais, pois estão acostumados ao trabalho, são dóceis e determinados. Porém, a maioria dos homens, vós sabeis, não é assim. −Majestade, quando digo quem quer que seja, não isento ninguém, nem mesmo os mais rebeldes, covardes e fracos. Incluo a todos. − Quem vos ouve, crê que até mesmo às mulheres transmitiríeis os sentimentos com que são feitos os guerreiros e que até elas poderiam ser iniciadas na prática das armas... − Não duvideis disso, Majestade, é o que vos peço. Ouvindo isso, o rei ordenou que lhe trouxessem suas cento e oitenta concubinas, no que foi prontamente obedecido. Entre elas, havia duas em particular que o rei amava ternamente. As duas moças foram colocadas à frente das outras. − Veremos – disse o rei – o valor de vossa palavra, Sun Tse. Eu vos constituo general desta tropa. Escolhei o lugar que vos pareça mais adequado para treiná-las e, quando elas estiverem prontas, irei pessoalmente fazer justiça à sua destreza e talento. Mesmo percebendo a malícia do rei e o papel que lhe impunha, Sun Tse mostrou-se satisfeito com a honra, não apenas de ver as concubinas, mas de provar sua competência. Num tom seguro, finalizou o diálogo: O rei retirou-se. O guerreiro, então, pediu armas e equipamento bélico para sua tropa, conduzindo-a até um pátio interno que julgou adequado. Quando lhe entregaram tudo o que solicitara, assim falou: Após essa fala inicial, distribuiu-lhes armas e ordenou que formassem duas filas encabeçadas pelas favoritas. E perguntou: As mulheres riram. Porém, como Sun Tse continuasse silencioso e sério, responderam-lhe em uníssono: − Assim sendo – retomou Sun Tse – prestem atenção ao que lhes direi. Vocês deverão obedecer ao rufar do tambor: a um toque, permaneçam na posição em que estão agora, atentas apenas ao que estiver diante de seu peito. A dois toques, virem-se de modo que seu peito fique no lugar onde anteriormente estava sua mão direita. Quando o tambor soar três vezes, virem-se de forma que seu peito fique no lugar onde estava sua mão esquerda. E, quando ouvirem quatro toques, seu peito deverá estar na posição em que estavam suas costas e suas costas deverão estar onde estava seu peito. Vou explicar-me melhor: um toque de tambor significa que vocês não devem mudar de atitude e devem estar em posição de combate; dois toques, vocês devem virar-se para a direita; três toques, para a esquerda; quatro toques, meia-volta. A ordem que seguirei é esta: primeiramente o tambor rufará uma só vez e, com este sinal, vocês estarão prontas para o que ordenarei a seguir. Alguns instantes após, rufará duas vezes: então, todas juntas virarão para a direita, circunspectas, como convém a bons soldados; depois farei com que sejam ouvidos não três, mas quatro toques, e assim terminarão a meia-volta. Em seguida, ordenarei que voltem à posição original e farei soar o tambor uma vez. A esse sinal, ficarão atentas. Depois, farei com que o tambor soe não duas, mas três vezes, e virarão para a esquerda. Quando ouvirem quatro toques, terminarão a meia-volta. Compreenderam bem o que lhes quis dizer? Se existe alguma dificuldade, digam-me, e tratarei de esclarecer. − Nós compreendemos bem – responderam as mulheres. − Não esqueçam que o rufar do tambor é que as liga à voz de comando e é através do tambor que o general lhes transmite as ordens. Após repetir essa instrução três vezes, Sun Tse arrumou seu pequeno exército e fez soar um toque de tambor. As mulheres entreolharam-se sorrindo; ao segundo toque, não se contiveram e riram ruidosamente. Pacientemente o general se dirigiu a elas nestes termos: Assim dizendo, Sun Tse repetiu a instrução mais três vezes em outros termos. Finalizou com as seguintes palavras: O tambor rufou uma vez, duas vezes. Pelo ar sério do general e pela estranheza da situação, as concubinas tentavam conter o riso, mas, após alguns instantes e muito esforço, a situação se tornou impossível e as mulheres desataram a rir. Sun Tse não se desconcertou; ao contrário, com o mesmo tom com que havia falado antes, dirigiu-se a elas novamente: Por que, então, não obedeceram? Vocês serão punidas. Entre os guerreiros, aquele que não obedece às ordens de seu general merece a morte; assim, vocês morrerão. Nesse momento, um dos guardas encarregados de tomar conta do harém, vendo que o general não admitia zombaria, partiu para relatar ao rei o que estava acontecendo. O rei enviou rapidamente um emissário para impedir Sun Tse de prosseguir em seu intento. O general escutou respeitosamente as palavras do mensageiro, mas não condescendeu. − Diga ao rei que Sun Tse o tem por sensato e justo; por isso, não creio que tenha mudado de ideia tão rapidamente. Foi ele próprio quem fez a lei; portanto, não daria uma ordem que aviltasse a dignidade da qual me revestiu. O rei me encarregou de instruir na prática das armas cento e oitenta de suas consortes, constituiu-me general delas; cabe a mim cumprir meu dever. Elas me desobedeceram, elas morrerão. Mal tinha pronunciado essas palavras, puxou a espada e, com o mesmo sangue-frio, cortou a cabeça das duas favoritas. A seguir, colocou outras duas no lugar delas e ordenou que se iniciassem os exercícios sob o rufar dos tambores. As mulheres, como se tivessem praticado o ofício da guerra durante toda a vida, moveram-se em silêncio e no tempo devido. Dirigindo-se ao mensageiro, Sun Tse assim falou: O tempo e as circunstâncias, porém, mudam reis e homens. Aos poucos o rei consolou-se e acabou por chamar Sun Tse de volta, fazendo-o general de seus exércitos. Sob as ordens do general, o reino de Tchou foi finalmente destruído. Os demais vizinhos, ouvindo falar das belas ações guerreiras perpetradas por Sun Tse, preferiram viver em paz com o reino que tinha um guerreiro de tal porte a seu serviço. |